Confira abaixo uma seleção de 25 passagens da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, publicada pelo Papa Francisco
– O grande risco do mundo atual, com sua
múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza
individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca
desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a
vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço
para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus,
já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de
fazer o bem.
– Há cristãos que parecem ter escolhido
viver uma Quaresma sem Páscoa. Reconheço, porém, que a alegria não se
vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por
vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas sempre permanece pelo
menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante
o contrário, sermos infinitamente amados.
– Posso dizer que as alegrias mais belas e
espontâneas, que vi ao longo da minha vida, são as alegrias de pessoas
muito pobres que têm pouco a que se agarrar.
– Chegamos a ser plenamente humanos,
quando somos mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos
conduza para além de nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser mais
verdadeiro. Aqui está a fonte da acção evangelizadora. Porque, se alguém
acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode
conter o desejo de o comunicar aos outros?
– Penso, aliás, que não se deve esperar
do magistério papal uma palavra definitiva ou completa sobre todas as
questões que dizem respeito à Igreja e ao mundo. Não convém que o Papa
substitua os episcopados locais no discernimento de todas as
problemáticas que sobressaem nos seus territórios. Neste sentido, sinto a
necessidade de proceder a uma salutar «descentralização».
– Com obras e gestos, a
comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as
distâncias, abaixa-se – se for necessário – até à humilhação e assume a
vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo. Os
evangelizadores contraem assim o «cheiro de ovelha», e estas escutam a
sua voz.
– Sonho com uma opção missionária capaz
de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a
linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado
mais à evangelização do mundo actual que à auto-preservação. A reforma
das estruturas, que a conversão pastoral exige, só se pode entender
neste sentido: fazer com que todas elas se tornem mais missionárias, que
a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais comunicativa
e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude constante de
«saída» e, assim, favoreça a resposta positiva de todos aqueles a quem
Jesus oferece a sua amizade.
– Dado que sou chamado a viver aquilo que
peço aos outros, devo pensar também numa conversão do papado.
Compete-me, como Bispo de Roma, permanecer aberto às sugestões tendentes
a um exercício do meu ministério que o torne mais fiel ao significado
que Jesus Cristo pretendeu dar-lhe e às necessidades actuais da
evangelização.
– No seu constante discernimento, a
Igreja pode chegar também a reconhecercostumes próprios não directamente
ligados ao núcleo do Evangelho, alguns muito radicados no curso da
história, que hoje já não são interpretados da mesma maneira e cuja
mensagem habitualmente não é percebida de modo adequado. Podem até ser
belos, mas agora não prestam o mesmo serviço à transmissão do Evangelho.
Não tenhamos medo de os rever! Da mesma forma, há normas ou preceitos
eclesiais que podem ter sido muito eficazes noutras épocas, mas já não
têm a mesma força educativa como canais de vida.
– Aos sacerdotes, lembro que
o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da
misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível. Um
pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais
agradável a Deus do que a vida externamente correcta de quem transcorre
os seus dias sem enfrentar sérias dificuldades.
– A Igreja «em saída» é uma Igreja com
as portas abertas. Sair em direcção aos outros para chegar às periferias
humanas não significa correr pelo mundo sem direcção nem sentido.
Muitas vezes é melhor diminuir o ritmo, pôr de parte a ansiedade para
olhar nos olhos e escutar, ou renunciar às urgências para acompanhar
quem ficou caído à beira do caminho. Às vezes, é como o pai do filho
pródigo, que continua com as portas abertas para, quando este voltar,
poder entrar sem dificuldade.
– Se a Igreja inteira assume este
dinamismo missionário, há-de chegar a todos, sem excepção. Mas, a quem
deveria privilegiar? Quando se lê o Evangelho, encontramos uma
orientação muito clara: não tanto aos amigos e vizinhos ricos, mas
sobretudo aos pobres e aos doentes, àqueles que muitas vezes são
desprezados e esquecidos, «àqueles que não têm com que te retribuir»
(Lc 14, 14). Não devem subsistir dúvidas nem explicações que debilitem
esta mensagem claríssima. Hoje e sempre, «os pobres são os destinatários
privilegiados do Evangelho», e a evangelização dirigida gratuitamente a
eles é sinal do Reino que Jesus veio trazer. Há que afirmar sem rodeios
que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Não os
deixemos jamais sozinhos!
– Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e
enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo
fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não
quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num
emaranhado de obsessões e procedimentos.
– Assim como o mandamento «não matar» põe
um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também
hoje devemos dizer «não a uma economia da exclusão e da desigualdade
social». Esta economia mata. Não é possível que a morte por
enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a
descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar
mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam
fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no jogo da
competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais
fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população
vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num
beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de
consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a
cultura do «descartável», que aliás chega a ser promovida. Já não se
trata simplesmente do fenómeno de exploração e opressão, mas duma
realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à
sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem
poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são «explorados», mas
resíduos, «sobras».
– Hoje, em muitas partes, reclama-se
maior segurança. Mas, enquanto não se eliminar a exclusão e a
desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível
desarreigar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as
populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias
formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais
cedo ou mais tarde, há-de provocar a explosão. Quando a sociedade –
local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si
mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços
secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade.
– O individualismo pós-moderno e
globalizado favorece um estilo de vida que debilita o desenvolvimento e a
estabilidade dos vínculos entre as pessoas e distorce os vínculos
familiares. A acção pastoral deve mostrar ainda melhor que a relação com
o nosso Pai exige e incentiva uma comunhão que cura, promove e
fortalece os vínculos interpessoais. Enquanto no mundo, especialmente
nalguns países, se reacendem várias formas de guerras e conflitos, nós,
cristãos, insistimos na proposta de reconhecer o outro, de curar as
feridas, de construir pontes, de estreitar laços e de nos ajudarmos «a
carregar as cargas uns dos outros» (Gal 6, 2).
– Há certo cristianismo feito
de devoções – próprio duma vivência individual e sentimental da fé –
que, na realidade, não corresponde a uma autêntica «piedade popular».
Alguns promovem estas expressões sem se preocupar com a promoção social e
a formação dos fiéis, fazendo-o nalguns casos para obter benefícios
económicos ou algum poder sobre os outros.
– A nossa tristeza e vergonha
pelos pecados de alguns membros da Igreja, e pelos próprios, não devem
fazer esquecer os inúmeros cristãos que dão a vida por amor: ajudam
tantas pessoas seja a curar-se seja a morrer em paz em hospitais
precários, acompanham as pessoas que caíram escravas de diversos vícios
nos lugares mais pobres da terra, prodigalizam-se na educação de
crianças e jovens, cuidam de idosos abandonados por todos, procuram
comunicar valores em ambientes hostis, e dedicam-se de muitas outras
maneiras que mostram o imenso amor à humanidade inspirado por Deus feito
homem. Agradeço o belo exemplo que me dão tantos cristãos que oferecem a
sua vida e o seu tempo com alegria.
– Uma das tentações mais sérias que
sufoca o fervor e a ousadia é a sensação de derrota que nos transforma
em pessimistas lamurientos e desencantados com cara de vinagre.
– O mundanismo espiritual, que se esconde
por detrás de aparências de religiosidade e até mesmo de amor à Igreja,
é buscar, em vez da glória do Senhor, a glória humana e o bem-estar
pessoal.
– Ser Igreja significa ser povo de Deus,
de acordo com o grande projecto de amor do Pai. Isto implica ser o
fermento de Deus no meio da humanidade; quer dizer anunciar e levar a
salvação de Deus a este nosso mundo, que muitas vezes se sente perdido,
necessitado de ter respostas que encorajem, dêem esperança e novo vigor
para o caminho. A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde
todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a
viverem segundo a vida boa do Evangelho.
– Não podemos pretender que todos os
povos dos vários continentes, ao exprimir a fé cristã, imitem as
modalidades adoptadas pelos povos europeus num determinado momento da
história, porque a fé não se pode confinar dentro dos limites de
compreensão e expressão duma cultura. É indiscutível que uma única
cultura não esgota o mistério da redenção de Cristo.
– A homilia não pode ser um espectáculo
de divertimento, não corresponde à lógica dos recursos mediáticos, mas
deve dar fervor e significado à celebração. É um género peculiar, já que
se trata de uma pregação no quadro duma celebração litúrgica; por
conseguinte, deve ser breve e evitar que se pareça com uma conferência
ou uma lição.
– Peço a Deus que cresça o número
de políticos capazes de entrar num autêntico diálogo que vise
efectivamente sanar as raízes profundas e não a aparência dos males do
nosso mundo. A política, tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma das
formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum. Temos de
nos convencer que a caridade «é o princípio não só das micro-relações
estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das
macro-relações como relacionamentos sociais, económicos, políticos».
Rezo ao Senhor para que nos conceda mais políticos, que tenham
verdadeiramente a peito a sociedade, o povo, a vida dos pobres. É
indispensável que os governantes e o poder financeiro levantem o olhar e
alarguem as suas perspectivas, procurando que haja trabalho digno,
instrução e cuidados sanitários para todos os cidadãos. E porque não
acudirem a Deus pedindo-Lhe que inspire os seus planos? Estou convencido
de que, a partir duma abertura à transcendência, poder-se-ia formar uma
nova mentalidade política e económica que ajudaria a superar a
dicotomia absoluta entre a economia e o bem comum social.
– A primeira motivação para evangelizar é
o amor que recebemos de Jesus, aquela experiência de sermos salvos por
Ele que nos impele a amá-Lo cada vez mais. Com efeito, um amor que não
sentisse a necessidade de falar da pessoa amada, de a apresentar, de a
tornar conhecida, que amor seria?
Fonte: Site Aleteia